Aproveitamos a ida no domingo a Estômbar, para recordar uma nossa crónica no Jornal "O Algarve" publicada a propósito desta marcha. A Luisa é, de certa forma, o retrato de muitas valorosas mulheres portuguesas, que depois de uma semana de árdua labuta, ainda encontram tempo para uns momentos de evasão e de felicidade. As marchas no nosso querido Algarve são isso mesmo: momentos de felicidade.
Ode a uma marchante
A Luísa é uma mulher escorreita,
60 anos, activa, geniquenta. Acorda de madrugada, noite cerrada. Luísa dorme
sempre pouco, a cama é madrasta e as tarefas diárias não dão tréguas. Inicia
ali o dia, banqueteando-se com um naco de pão duro, da última amassadura, com
banha, que lhe dá energia para as primeiras tarefas do dia. Trata do porco, dá
milho às galinhas, lava o resto da loiça acumulada da noite anterior e que o
cansaço não a autorizou a terminar. Passa a vassoura no pátio, o espanador nos
berloques do aparador. Apanha a roupa que ficou a secar debaixo do alpendre,
não fosse o diabo de alguma bátega de água estragar-lhe a barrela do dia
anterior. Entala três rodelas de chouriço entre duas fatias do pão caseiro que
semanalmente fabrica. Será o almoço desse dia, empurrado pela água, que
certamente não faltará. A laranja, se a houver, completará a opípara refeição.
São agora sete horas,
o sol acorda, espreita Luísa, ao longe, no horizonte. Muitas madrugadas ensinaram-lhe a ler a hora solar. Sabe que o
autocarro parte quando o sol aparecer por detrás da copa do chaparro, ao fundo,
no quintal. Salpica a cara com água fria, mostra a água aos sovacos, passa o
pente nos hirsutos cabelos, calça as sapatilhas adquiridas nos saldos, e que já
conheceram muitos quilómetros, veste um fato de treino azul, desmaiado, de 5
anos. Olha-se ao espelho. O rosto, finalmente, resplandece. O marido, mandrião,
dorme o sono dos preguiçosos, que não dos justos. Luísa abana a cabeça, triste,
e abala, só, de encontro ao destino habitual dos domingos. Hoje será em
Estômbar, nas Fontes. A alegria transbordante do autocarro é o prenúncio de uma
marcha onde a amizade, o entusiasmo, as gargalhadas, as anedotas, apagam a vil
tristeza de uma semana acabada, e trazem forças novas para a labuta, sempre
igual, da semana que amanhã começa. E o madraço … ficou em casa.
(Jorge Lopes)
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