A UVA MIJONA
A uva-mijona é uma variedade de
uva que apresenta bagos de polpa aguada e de sabor desagradável. Tal expressão
também significa preço baixo, saldo. Lembrei-me deste título não porque ele se
adeque à escrita que se segue, mas sim como fraca mensagem subliminar, que irá
influenciar comportamentos futuros semelhantes à da heroína desta história, que
chamarei Francisca (nome fictício).
Normalmente os organizadores das
marchas têm o cuidado e o IPDJ também aconselha, que junto aos locais de partida
existam instalações sanitárias. Os marchantes deslocam-se das mais longínquas
terras e o tempo que levam a chegar ao destino contribui, naturalmente, para um
enchimento das respectivas bexigas que serão aliviadas nas tais instalações. E
até é engraçado ver as filas enormes para a casa de banho das senhoras e a
inexistência de filas para a casa de banho dos homens. É um fenómeno digno de
estudo, mas que não cabe, por agora, nesta croniqueta, mas que ajuda a perceber
o problema da Francisca mais adiante explicado.
Ora numa das marchas, já não
lembro qual, no interior serrano algarvio, tais instalações não existiam. A
nossa Francisca, vinda de terra longínqua, já estava um pouco assim a “modos
que apertada” e a ausência de instalações sanitárias não lhe permitiu
satisfazer essa necessidade tão básica, tão corriqueira.
Começa a marcha e a Francisca lá
caminhava cada vez mais aflita. O seu andar começava já a assemelhar-se ao
andar artificial dos modelos numa passerelle, as pernas cruzando-se, bem
unidas, vacilantes, coxas bem apertadas. Ora imaginem o estilo, provavelmente já passaram pelo mesmo. A
determinada altura a Francisca vê um arbusto ao lado do trilho, olha para trás
e não vê vivalma. É agora, pensa ela. E um rio caudaloso brotou, uma torrente
interminável deslizou regando os ressequidos terrenos da bela serra algarvia.
Um suspiro de satisfação e supremo alívio escapava-se dos seus lábios
semi-abertos e arfantes de prazer.
Mas nestas coisas o que deve
acabar mal, acaba mesmo mal, diz a malfadada lei de Murphy. Uns marchantes, homens, retardatários, surgem ao fundo e em passadas largas aproximavam-se da
pobre Francisca, semi-escondida pelo modesto arbusto e com o regadio ainda por
terminar. Mulher de sãos princípios morais, recatada, de grande pudor, não lhe
restava outra alternativa senão puxar rapidamente a lingerie e o fato de treino
e continuar a marcha, disfarçadamente, para que os marchantes, que se
aproximavam, não se apercebessem dos preparos em que se encontrava.
Mas, meus caros, lembram-se do
que escrevi acima sobre a rega inacabada? Já estão a ver a cena, não estão? A
rega completou-se, sem possibilidade de controlo, já com a roupa vestida. É que para interromper o caudal de um
rio é necessária uma resistente barragem.
No final da marcha as amigas,
desconhecedoras dos factos narrados, interrogavam-na ingenuamente: “Oh mulher
estás toda molhada. Que te aconteceu?”. E a Francisca, vivaça, espertalhona,
espontânea, evidenciando um ligeiro rubor na face, replicava: “Hoje esforcei-me
demasiado. Estou toda suadinha”.
JL (Publicada, em tempo, no Jornal "O Algarve")
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