quinta-feira, 3 de abril de 2014

O SABER NÃO OCUPA LUGAR


UM HOMEM EXTRAORDINÁRIO
Hamilton Naki, um negro sul-africano de 78 anos, morreu em maio de 2005. A notícia não apareceu nos jornais, mas a sua história é uma das mais extraordinárias do século XX.

Naki era um grande cirurgião. Foi ele quem retirou do corpo da doadora o coração que foi transplantado em Louis Washkansky em 1967 na Cidade do Cabo, na primeira operação de transplante cardíaco realizada com êxito. Era um trabalho muito delicado. O coração doado teria que ser retirado e preservado com o máximo cuidado. Naki era o segundo homem mais importante na equipe que fez o primeiro transplante cardíaco da história. Porém, não podia aparecer porque era um negro no país do apartheid. O cirurgião chefe do grupo, o branco Christiaan Barnard, transformou-se numa celebridade a partir daí. Porém Hamilton Naki não podia sair nas fotografias da equipe. Quando apareceu numa, por descuido, o hospital informou que era um empregado do serviço de limpeza.
Naki usava bata e máscara, porém jamais estudou medicina ou cirurgia. Havia abandonado a escola aos 14 anos. Era jardineiro na Escola de Medicina da Cidade do Cabo. Começou limpando as jaulas, e, sendo curioso, aprendia depressa. Aprendeu a técnica cirúrgica, vendo os médicos brancos que praticavam transplantes em cães e porcos.
Transformou-se num cirurgião tão excepcional, que o Dr. Barnard o requisitou para a sua equipe. Mas isto era um problema para as leis sul-africanas. Naki, negro, não podia operar pacientes brancos ou tocar no seu sangue. Porém, o hospital considerava-o tão valioso que fez uma excepção e o transformou num cirurgião clandestino.
Mas isso não importava e ele continuou estudando e dando o melhor de si, apesar da discriminação. Era o melhor. Dava aulas aos estudantes brancos,  ganhando  salário de técnico de laboratório, o máximo que o hospital podia pagar a um negro. Vivia numa barraca sem luz eléctrica nem água corrente, num gueto da periferia, como correspondia a um negro.
Hamilton Naki ensinou cirurgia durante 40 anos e retirou-se com uma pensão de jardineiro, de 275 dólares por mês. Quando o apartheid terminou, concederam-lhe uma condecoração e o título de médico honoris causa. Nunca reclamou das injustiças que sofreu ao longo de toda a sua vida. Apesar da clandestinidade e discriminação, jamais deixou de dar o melhor de si na sua paixão em ajudar a viver. Hamilton Naki, médico magnífico e um ser humano excepcional numa sociedade estúpida e desigual.

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