domingo, 15 de março de 2020

CORREDORES E TOLSTOI

Nestes tempos de contenção em provas desportivas, que não de treinos, que devem continuar a ser feitos, talvez fosse interessante recordar um conto do enorme Leão, ou Liev Tolstoi, escritor russo, nascido em 1828, autor da Guerra e Paz e Anna Karenina, entre outras obras, com o original título "DE QUANTA TERRA PRECISA UM HOMEM".
Resumindo: o camponês Pakóm sonhava com grandes extensões de terra, numa paranóia que o levava a afirmar que, com muitas terras, nem o diabo lhe metia medo. O chefe de uma aldeia Bashquir, ouvindo tal desejo, oferece a Pakóm a possibilidade de adquirir terra, propondo-lhe que venderia, por somente 1.000 rublos, toda a terra que conseguisse percorrer durante um dia, com a condição de regressar ao ponto de partida no mesmo dia, sob pena de perder os 1.000 rublos entregues. Pakóm teria de marcar com uma pá os pontos limites do território a percorrer e que seria seu ao final do dia. Decidiu partir de madrugada e a sofreguidão levou-o a percorrer uma distância que quase não permitia um regresso ao local de partida no tempo combinado, que teve de ser feito em corrida contínua, num esforço para o qual não estava preparado. Mas Pakóm chegou em cima do tempo estabelecido, exausto, de sangue a sair pela boca, coração a bater desalmadamente. Pakóm cai no cão e não mais se levanta. 
O seu criado verificando a morte, abre com a pá uma cova com as medidas de Pakóm e enterra-o sob sete palmos de terra. Pakóm não precisava de mais.
Esta súmula de um conto de Tolstoi faz-nos lembrar alguns dos nossos corredores impreparados para as distâncias que se propõem percorrer. A sofreguidão dos tempos, das classificações, dos pódios, leva-os à exaustão, à sensação de enorme cansaço. Um deles confessou-me, um dia, que o esforço lhe colocou as pulsações de tal forma altas, que teve de parar a meio de uma íngreme subida e que sentiu uma sensação de desmaio, que o obrigou a sentar-se no chão a aguardar pela regularização do batimento cardíaco. 
Parafraseando Tolstoi e a sofreguidão de Pakóm, corram com inteligência, levem o tempo que os vossos corpos permitem. Não precisam de mais.
Neste momento, perante o domínio sobre a raça humana por um vírus que só um microscópio electrónico consegue visualizar, os amadores da corrida, precisam de sentir os seus corpos, ouvir os seus corações, esquecerem-se dos pódios, das classificações, das rivalidades. Precisam de correr, precisam de treinar, precisam de se divertir, precisam de saúde, não precisam de mais nada.

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