sexta-feira, 1 de maio de 2020

O CONTADOR, OS IMPOSTOS E O CÃO

Mais uma historia publicada no extinto jornal "O Algarve":
O CONTADOR, OS IMPOSTOS E O CÃO
Em tempos publicamos neste blogue e no jornal "O Algarve" a história de “O contador”. Nela enaltecíamos os dotes atléticos do nosso amigo Dias (hoje bastante diminuídos devido a uma arreliadora hérnia discal) que domingo a domingo nos assombrava com uma demonstração de poder físico, ultrapassando os obstáculos com enorme facilidade e suprema frescura. Em 18 de Dezembro de 2009 escrevíamos:”…e insatisfeito com a “humilhação” que nos infligia Domingo a Domingo, ainda tinha o topete e a força física para, ao chegar à meta, retroceder e estabelecer uma ordem de chegada numerando os marchantes à medida que se cruzava com eles.
A voz do Dias era inconfundível: “você é o décimo primeiro, você é o número vinte e cinco, você é o quadragésimo”, e assim sucessivamente até se aborrecer e voltar novamente no sentido correcto repisando terreno, já por ele calcorreado, irradiando uma frescura que faria inveja a qualquer imitação de Carlos Lopes”. Quando mais alto era o número naquela classificação, maior era o desânimo, maior era a vontade de mandar o Dias “contar os marchantes para o … outro lado”. Mas era um espectáculo dentro de outro espectáculo. 
Como é do conhecimento de todos, o nosso Dias, antes da merecida reforma que hoje goza, e que o aliviou das agruras do stress diário, era um conceituado chefe de finanças. Exercia este mister com grande profissionalismo, competência e enorme rigor. Implacável no cumprimento das leis fiscais, terror dos incumpridores. Aplicava na sua área de jurisdição o conhecido ditado popular “o sol quando nasce é para todos”. 
Um dia, numa marcha serrana, caminhando pelos trilhos do interior algarvio, cruzámo-nos com um rebanho de ovelhas devidamente enquadradas pelo pastor e o seu cão. Éramos um pequeno grupo de marchantes, vanguarda do pelotão, de algumas centenas, que nos precedia. O cão pastor pouco habituado a estas estranhas incursões no território que julgava seu, resolve atacar o grupo de invasores, e não é que de entre todos nós escolhe as atléticas canelas do nosso Dias, espetando-lhe os afiados dentes na barriga de uma perna provocando-lhe um tal ferimento que justificou posterior tratamento hospitalar. Preocupados com o estado de saúde do nosso amigo tentámos consolá-lo e animá-lo, mas juro que ouvi, com estes ouvidos que a terra um dia há-de comer, uma voz murmurando baixinho, sem que eu a identificasse, nem tal foi do meu interesse, o seguinte: “Aquele cão não liquidou algum imposto a horas, foi multado e agora teve o supremo prazer da vingança”. E outra voz ao lado ainda mais sussurrante: “… e serve-se fria…”.
Jorge Lopes

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