ERA UMA VEZ
O Homem, depois de uma semana de duro trabalho, ao sétimo dia descansava. Na cama até às 11 horas, pequeno almoço às 11H30, almoço às 14 horas, tudo “nas calmas”, porque a vida são dois dias e o carnaval são três. De tarde logo se via o que fazer. Geralmente nada.
Em 1993, já lá vão 17 anos de redenção, dois vizinhos e amigos, a Tina e o Guilherme, começaram a “benzer-lhe” a Mulher, falando-lhe sobre umas actividades que umas centenas de malucos praticavam aos domingos de manhã. A Mulher com a delicadeza habitual do seu sexo, lá tentava convencer o “madraço” a acompanhar os vizinhos nas tais benditas, mas para ele, “malditas” marchas.
Um dia, num domingo, às 8 horas da matina, a Mulher acorda mal disposta, o que é muito vulgar nas mulheres, e grita para o dorminhoco: “Ou vais comigo às marchas, ou vou sozinha”. E, sem aguardar resposta, o que também é habitual nelas, começa, de imediato, a vestir o fato de treino e a calçar as sapatilhas. O Homem resmunga, esfrega os remelosos olhos, insulta, entre dentes, o sadismo e teimosia das mulheres que sempre tentam dominar o sexo forte (que julgamos, santa ingenuidade, sermos nós) levanta-se e prepara-se para o supremo sacrifício de rumar a Alcoutim, esse fim de mundo, onde decorria, naquele Domingo, a insuportável marcha semanal.
O Homem, ainda com os sentidos embotados, arrasta-se na cauda do pelotão, recordando, saudoso, a quietude das manhãs na cama, o calor dos lençóis e o reparador sono matinal. Os outros loucos marchavam alegremente, as gargalhadas brotavam, as conversas fluíam, a alegria era contagiante. E o Homem vai despertando, respira o ar puro da serra, espraia o olhar pelos montes, ouve o chinfrim da passarada. E começa a sentir-se cada vez melhor, mais livre. O Homem acelera a passada, ultrapassa os mais lentos, introduz-se nas conversas, ri das graças, acorda totalmente. O Homem sente-se muito bem, como há muito não se sentia.
No dia seguinte sente os efeitos da caminhada, a que não estava habituado, mas a alegria que sentiu no dia anterior compensa, enormemente, a dormência dos músculos.
No Domingo seguinte o Homem levanta-se às 7 horas e, timidamente, muito baixinho, diz para a Mulher: “Então hoje não queres ir às marchas?”. O Homem hoje ainda jura que viu nos olhos da Mulher aquele olhar matreiro que elas usam quando vencem, em toda a linha, as nossas inúteis resistências.
O Homem, intimamente, agradece a atitude ditatorial da Mulher naquela sublime inspiração tomada no Domingo anterior.
Dezassete anos depois, a vergonha há muito vencida, só resta agradecer à minha mulher a sua sagacidade e aos vizinhos, Tina e Guilherme, o persistente desafio.
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