A propósito da comemoração do 150º aniversário do nascimento do grande escritor, contista e dramaturgo Anton Tchékov, veio-me à memória um dos seus escritos mais saborosos denominado “Os malefícios do tabaco”, e a analogia que imediatamente fiz com um dos nossos habituais marchantes, a que vou chamar António (não quero que se “chateie” comigo por lhe mencionar o verdadeiro nome).
Tchékov, no escrito a que me refiro acima, coloca-se no lugar de um conferencista, fumador inveterado, a quem é incumbida a missão de dissertar sobre o tema do tabaco e os seus malefícios. No início da palestra ele avisa logo que tal tema foi “a mulher que o escolheu e que ele não tem outro remédio senão obedecer-lhe”.
Hoje ainda é assim, elas mandam, nós refilamos, mas o resultado final é sempre o mesmo, fazer-lhes a vontade. O sexo fraco somos nós, homens, ao contrário daquilo que gostamos de alardear, exibindo os músculos e a força física, que se esvaem logo que as damas, com as suas falinhas mansas e o seu ar frágil, nos falam ao músculo mais fraco que possuímos, o coração.
Esqueçamos o desabafo e voltemos ao nosso conferencista. Durante a palestra fala de tudo o que lhe vem à cabeça menos do tema proposto e só na parte final, e quando a mulher já está a assistir ele, medroso, remata a conferência com estas palavras: “O tabaco encerra o terrível veneno de que vos acabo de falar, não se deve fumar em caso nenhum e permito-me ter a esperança de que a minha conferência sobre os malefícios do tabaco possa, de certo modo, haver trazido a Vossas Excelências qualquer utilidade”.
O nosso marchante António, de que vos falei atrás, é também um fumador inveterado e nunca foi encarregado de fazer qualquer conferência sobre os problemas inerentes ao consumo de tabaco. Ele fez mais do que isso, ele prometeu deixar de fumar para tentar eliminar a tosse e o catarro que se notava quando marchava ao nosso lado. Prometeu e cumpriu.
E esta crónica teria um final feliz, qual telenovela da TV, se terminasse aqui. Mas não termina. Contemos, portanto, o enredo dos capítulos seguintes.
Eu, não fumador militante (nasci em 1947 e não fumo há 62 anos - é só fazer as contas, como diria o Guterres) satisfeito por ver conquistado para a minha causa mais um adepto, interrogava sempre o António sobre as melhorias do seu estado físico. Ele, eufórico, dizia notar mais facilidade em marchar, melhor capacidade respiratória, que já não tossia e que se sentia globalmente mais saudável. E, marcha a marcha, as performances do António cresciam a “olhos vistos”. E deixei de o interrogar, por pensar que a cura tinha sido definitiva, e que não haveria lugar a recaída.
Mas, na marcha de Santa Luzia, na sequência dos diálogos que se estabelecem ao longo dos quilómetros, descubro que o António voltou a fumar. Ver um amigo soçobrar nos braços da infiel, insatisfeita e dominadora nicotina foi um choque para mim.
E pensei com os meus botões (ou com a minha camisola, que não tem botões): será que o António, tal qual o conferencista do Tchékov, que foi obrigado pela mulher a falar sobre o tabaco, também foi obrigado a deixar de fumar pela sua mulher, sentindo-se diminuído na sua masculinidade por lhe obedecer? E agora sentia a necessidade de a contrariar para se afirmar como ser mais forte, mais independente e de personalidade dominadora?
Elas são muito poderosas, caro António, mas não invencíveis, só que desta vez (uma vez sem exemplo), e a ser verdade o que a imaginação me diz, eu acho que deverias obedecer. A tua masculinidade não passa pela exibição da chucha, mas pela sua rejeição. Ficamos a torcer por ti.
Nota: Anton Tchékov morre, vítima de tuberculose, em 1904 com 44 anos de idade. O tabaco ajudou.
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