ODE A UMA MARCHANTE

São agora sete horas, o sol acorda, espreita Luísa, ao longe, no horizonte. Muitas madrugadas ensinaram-lhe a ler a hora solar. Sabe que o autocarro parte quando o sol aparecer por detrás da copa do chaparro, ao fundo, no quintal. Salpica a cara com água fria, mostra a água aos sovacos, passa o pente nos hirsutos cabelos, calça as sapatilhas adquiridas nos saldos, e que já conheceram muitos quilómetros, veste um fato de treino azul, desmaiado, de 5 anos. Olha-se ao espelho. O rosto, finalmente, resplandece. O marido, mandrião, dorme o sono dos preguiçosos, que não dos justos. Luísa abana a cabeça, triste, e abala, só, de encontro ao destino habitual dos domingos. Hoje será em Estombar, nas Fontes. A alegria transbordante do autocarro é o prenúncio de uma marcha onde a amizade, o entusiasmo, as gargalhadas, as anedotas, apagam a vil tristeza de uma semana acabada, e trazem forças novas para a labuta, sempre igual, da semana que amanhã começa. E o madraço … ficou em casa.
(Publicada pelo jornal "O Algarve" em 10-3-2011)
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