segunda-feira, 28 de novembro de 2011

AS CRÓNICAS DO JORNAL "O ALGARVE"


O QUERUBIM MARCHANTE
O querubim é um ser bíblico, sobrenatural. O querubim, ser alado, angelical, frequentador ilógico da nossa imaginação, não pertence a este mundo. Tal como na sociedade em que vivemos também no céu há castas, ocupando o querubim, na hierarquia celeste, um lugar imediatamente abaixo do serafim e acima do arcanjo. Esta breve explicação, um pouco exotérica, permite-nos apresentar o marchante que, no nosso pelotão, mais se assemelha a um querubim. O seu aspecto diáfano e etéreo, simultaneamente alegre e folgazão, insinua no nosso subconsciente um efeito subliminar, deixando-nos o doce travo de um conhecimento antigo. E, com esforço, apelando ao mais recôndito da nossa memória, recordar-nos-emos dessa imagem bíblica, em tempos vislumbrada nalguma leitura mais mística, retratando nele um desses seres fantásticos e angélicos. Falta-lhe as asas, é certo, mas sobra-lhe o ar seráfico, o sorriso bondoso, constante, a alegria contagiante, a simpatia natural e a……fita, ah! aquela fita que lhe rodeia a cabeça, qual auréola angelical, disciplinando-lhe os alvos cabelos que ainda embelezam, em quantidade apreciável, o seu celestial escalpe.
Homem fisicamente apto para a superação de qualquer obstáculo, arranca sempre na cabeça da marcha. Imprime um ritmo estonteante, provocando, logo na partida, um estiramento na extensa coluna que o precede. Quem quiser falar com ele, tem de aproveitar o antes ou o depois, porque durante a caminhada ele não está visível. Já lá foi, já desapareceu na primeira curva do caminho, deixando, como sinais da sua meteórica passagem, não os traços miniaturais duns pezitos de criança, como diria Augusto Gil, mas as marcas bem visíveis das suas sapatilhas, impressas na poeira do caminho, marcas firmes, poderosas, que não sugerem dificuldades no vencimento das distâncias.
E quando chove? Quando a fúria dos elementos se encarniçam contra os marchantes? O nosso atlético querubim, sempre de calções e Tshirt, sem qualquer protecção, indiferente ao frio e às intempéries, transfigura-se numa simbiose entre Eolo, o deus dos ventos, e Vulcano, o deus do fogo. “Cesse tudo o que a antiga musa canta, que outro valor mais alto se alevanta”, diria Camões, se colocado na presença do nosso herói. E a nós, mortais comuns, só nos resta a incrível sensação, de que ele passa através da chuva sem se molhar, que os ventos se desviam temerosos, e que dele emana o poder de fazer chover, o poder de domesticar relâmpagos e trovões.
O Zé Maria tem a idade certa dos homens de idade incerta.
O Zé Maria, essa mágica força telúrica da natureza, tem 79 anos.

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