terça-feira, 13 de abril de 2010

AS CRÓNICAS DO JORNAL "O ALGARVE"

Uma história real na Serra de Silves
Silves é um concelho com história e com locais de visita de extraordinário interesse. Há vestígios da presença humana desde a Pré-História, e da ocupação romana e muçulmana.
Foi em 1189 que se pensa ter sido efectuada a conquista cristã protagonizada pelo nosso rei D. Sancho I. Parece ter sido, contudo D. Afonso III, depois de umas batalhas à moda daqueles tempos (ora agora conquistas tu, ora agora conquisto eu) que definitivamente se instala no concelho de Silves e também em todo o Algarve, banindo definitivamente os muçulmanos. Ainda hoje os árabes reivindicam estas terras como deles e, patriotismos à parte, até é um assunto que merece discussão aprofundada.
Mas a razão desta pseudo-historieta não é contar a história do concelho de Silves (há pessoas mais abalizadas para o fazer), mas sim a história de outras “guerras” com outros protagonistas.
Muitos ainda se lembrarão de uma belíssima marcha realizada em plena serra a norte da barragem do Arade. Os marchantes calcorreavam aqueles montes, vencendo os obstáculos naturais com maior ou menor esforço, mas sempre com a habitual alegria, empurrados pela bucólica paisagem, pelo cheiro das estevas, pelo ar puro e pelo chilrear da passarada (um pouco de poesia não fica nada mal nestas coisas). E até a imagem típica do apicultor ao lado do nosso trajecto, retirando o mel das suas colmeias, completava um quadro motivador à superação do cansaço.
As abelhas esvoaçavam ao nosso redor, parecendo que nos saudavam pela nossa chegada, como que pedindo ajuda contra o “ladrão” que lhes roubava o mel .
Um dos marchantes, que seguia na frente da coluna, incomodado com o zumbido resolveu agitar os braços para afastar as abelhas.
É sabido que, por altura da colheita do mel, as abelhas andam “assim a modos que nervosas” porque estão a ver o seu laborioso trabalho de colheita em mil flores, para posterior transformação industrial, a ser roubado sem qualquer pagamento e sem terem recebido, sequer, o ordenado mínimo.
Também é conhecida a solidariedade das abelhas, a sua unidade na defesa da colmeia e das colegas e, perante a desfaçatez do ataque inopinado do marchante, o enxame, já “picado” pelo apicultor, à semelhança do nosso antepassado Afonso III e, utilizando a conhecida táctica militar “todos ao molhe”, resolve atacar a coluna de 500 marchantes.
A derrota foi total e aviltante. Dos marchantes, claro.
A retirada foi mais espectacular que a fuga dos castelhanos à frente de D. Nuno Álvares Pereira na batalha de Aljubarrota.
A infantaria corria, desordenadamente, debaixo dos voos picados da aviação inimiga. Os Kamikases ferroavam em tudo o que mexia apontando às cabeças, aos braços e às pernas.
Ainda recordo a imagem do meu amigo Jesuíno a despir a camisola para que eu lhe sacudisse uma “apis mellifera” atrevida que lhe tinha (salvo seja e com todo o respeito e simpatia) saltado para as costas enquanto o exército derrotado ao primeiro ataque fugia desordenadamente, tropeçando, caindo, atropelando.
Como diria Camões no canto IX dos Lusíadas: “melhor é experimentá-lo que julgá-lo, mas julgue-o quem não pode experimentá-lo” (referia-se a outros carnavais, mas uma citação fica sempre bem).
No final da batalha só restava contar as baixas, lamber as feridas, inventariar os destroços, esconder o orgulho ferido, mal disfarçado perante os joelhos ensanguentados, as mãos esfoladas, as camisolas rasgadas, os óculos partidos e, claro, os milhares de babas nas preciosas cútis de quase todos os invasores.
O que os muçulmanos não conseguiram, conseguiu um vulgar enxame de abelhas: a reconquista, não de todo o Algarve, mas de uma nesga de território no concelho de Silves.
Ainda hoje tenho receio de ali passar, não vá alguma abelha vitoriosa reconhecer um inimigo do passado e fazer-me prisioneiro.

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