sábado, 12 de junho de 2010

AS CRÓNICAS DO JORNAL "O ALGARVE"


Esta foi a crónica que saiu no jornal "O Algarve", de 10 de Junho, já depois de terminada a época de marchas.

A UVA MIJONA

A uva-mijona é uma variedade de uva que apresenta bagos de polpa aguada e de sabor desagradável. Tal expressão também significa preço baixo, saldo. Lembrei-me deste título não porque ele se adeque à escrita que se segue, mas sim como fraca mensagem subliminar, que irá influenciar comportamentos futuros semelhantes à da heroína desta história, que chamarei Francisca (nome fictício).
Normalmente os organizadores das marchas têm o cuidado e o IDP também aconselha, que junto aos locais de partida existam instalações sanitárias. Os marchantes deslocam-se das mais longínquas terras e o tempo que levam a chegar ao destino contribui, naturalmente, para um enchimento das respectivas bexigas que serão aliviadas nas tais instalações. E até é engraçado de ver as filas enormes para a casa de banho das senhoras e a inexistência de filas para a casa de banho dos homens. É um fenómeno digno de estudo, mas que não cabe, por agora, nesta croniqueta, mas que ajuda a perceber o problema da Francisca mais adiante explicado.
Ora numa das marchas, já não lembro qual, no interior serrano algarvio, tais instalações não existiam. A nossa Francisca, vinda de terra longínqua, já estava um pouco assim a “modos que apertada” e a ausência de instalações sanitárias não lhe permitiu satisfazer essa necessidade tão básica, tão corriqueira.
Começa a marcha e a Francisca lá caminhava cada vez mais aflita. O seu andar começava já a assemelhar-se ao andar artificial dos modelos numa passerelle, as pernas cruzando-se, bem unidas, coxas bem apertadas. Vocês conhecem o estilo, já passaram pelo mesmo. A determinada altura a Francisca vê um arbusto ao lado do trilho, olha para trás e não vê vivalma. É agora, pensa ela! E um rio caudaloso brotou, uma torrente interminável deslizava regando os ressequidos terrenos da bela serra algarvia. Um suspiro de satisfação e supremo alívio escapava-se pelos seus lábios semi-abertos.
Mas nestas coisas o que deve acabar mal, acaba mesmo mal, diz a malfadada lei de Murphy. Uns marchantes (homens), retardatários, surgem ao fundo e em passadas largas aproximavam-se da pobre Francisca, semi-escondida pelo modesto arbusto e com o regadio ainda por terminar. Mulher de sãos princípios morais, recatada, de grande pudor, não lhe restava outra alternativa senão puxar rapidamente a lingerie e o fato de treino e continuar a marcha, disfarçadamente, para que os marchantes que se aproximavam não se apercebessem dos preparos em que se encontrava.
Mas, meus caros, lembram-se do que escrevi acima sobre a rega inacabada? Já estão a ver a cena, não estão? A rega completou-se já com a roupa vestida. É que para interromper o caudal de um rio é necessária uma valente barragem.
No final da marcha as amigas, desconhecedoras dos factos narrados, interrogavam-na ingenuamente: “Oh mulher estás toda molhada. Que te aconteceu?”. E a Francisca, vivaça, espertalhona, espontânea, evidenciando um ligeiro rubor na face, replicava: “Hoje esforcei-me demasiado. Estou toda suadinha”.

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